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Crise muda face dos negócios luso-chineses

Notícia do jornal Ponto final publicada originalmente aqui.

As lojas chinesas diminuíram entre 20 a 25 por cento em Portugal, mas o grande investimento proveniente do Continente em terras lusas segue em tendência ascendente. Nos dois casos, a culpa é da crise económica e financeira.
Pedro Galinha
A contracção económica registada na zona euro – e à qual Portugal não escapa – já está a afectar as lojas chinesas, que se encontram do Algarve ao Minho, passando pelas regiões autónomas dos Açores e da Madeira. A garantia é dada ao PONTO FINAL pelo presidente da Liga dos Chineses em Portugal.
“Há muito menos lojas. Posso apontar para uma redução de 20 a 25 por cento num universo que, até há pouco tempo, era de cinco mil espaços comerciais. É bastante”, confessa Y Ping Chow, ao telefone, a partir do Porto.
A tese é também corroborada pelo presidente do Observatório da China, Rui D’Ávila Lourido. O investigador português avança que “o pequeno e médio comércio no interior das cidades têm sido afectados” pela recessão, “fragilizando muitos negócios, essencialmente ligados a lojas de vestuário, produtos decorativos e também ao sector da restauração”.
Segundo Lourido, a consequência imediata desta nova realidade é “a saída de Portugal de alguns dos proprietários e empregados chineses”. Mas há resistentes, adianta o presidente da Liga dos Chineses em Portugal.
“Quem não sai está a apostar em novas formas de comercialização. Fecham espaços mais pequenos e abrem outros maiores, que permite ter mais diversidade com os mesmos preços competitivos. Também há quem mantenha negócios aqui e esteja a investir na China”, explica Y Ping Chow.
Apesar de a conjuntura económica estar a provocar mudanças na comunidade (ver caixa), há outros níveis em que a presença chinesa em Portugal não atravessa retrocessos. “Assistimos a um crescimento exponencial em áreas do interesse estratégico da China, em 2011 e este ano”, aponta Rui D’Ávila Lourido, lembrando a compra de 21,35 por cento da EDP por parte da China Three Gorges Corporation e a aquisição de 25 por cento da REN pela State Grid – negócios motivados pela privatizações que Portugal está a operar.
Esta nova etapa na relação luso-chinesa não fica por aqui. A China tem planos para investir 12 milhões de euros num centro tecnológico em Portugal e tanto o Banco da China como o Banco Industrial e Comercial da China já abriram escritórios em Lisboa: “O que se pode traduzir num significativo aumento das actividades financeiras entre estes países”, resume o académico.
A “parceria estratégica” que Portugal e China têm mantido e alimentado recentemente foi confirmada na visita do ministro português de Estado e dos Negócios Estrangeiros ao Continente e a Macau, em Julho. Na altura, Paulo Portas afirmou que todos saem a ganhar se for desenvolvida uma “relação de cooperação e não de confronto”.
: CAIXA :
Comunidade chinesa em Portugal com “menos hipóteses de crescimento”
No final do ano passado, Portugal emitiu 15.600 autorizações de residência a imigrantes chineses. Os dados foram disponibilizados pelos Serviços de Estrangeiros e Fronteiras portugueses, mas o presidente da Liga dos Chineses em Portugal, Y Ping Chow, calcula que “o verdadeiro número” atinja as 20 mil pessoas.
De acordo com o presidente do Observatório da China, Rui D’Ávila Lourido, o crescimento da comunidade tem sido feito “de forma gradual”, sendo constituída “por diferentes gerações”: “Os que vieram em meados do século XX, acompanhados dos seus filhos – alguns nascidos em Portugal e luso-chineses – e os de imigração mais recente.”
O académico adianta que o grau de integração profissional dos membros da comunidade “é muito diferente”. “Na maioria dedicam-se ao pequeno comércio, mas na segunda e terceira geração encontramos desde profissões liberais, como engenheiros e médicos, a empregados noutras áreas de actividade económica,” nota Lourido.
Com a crise económica e financeira, a grande fatia da comunidade chinesa radicada em Portugal, que trabalha em lojas, também sofre com o desemprego, garante Y Ping Chow. “Há espaços a fechar e os desempregados chineses têm mais dificuldades em arranjar trabalho. Para muitos, a solução passa por sair,” confirma o responsável máximo da Liga dos Chineses em Portugal, antes de acrescentar que, assim, a comunidade “tem menos hipóteses de crescimento”. P.G.
 
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Entrevista do jornal Ponto Final a Rui Lourido (2/2)

Segunda parte da entrevista, a publicação original pode ser vista aqui.
 
 
É no projecto lusófono chinês que o território deve ter uma palavra dizer, defende o presidente do Observatório da China. Rui D’Ávila Lourido é também da opinião que Portugal ocupa a posição geoestratégica ideal para servir de plataforma comercial entre a China e o restante mundo de língua portuguesa.
Pedro Galinha
- Em que patamar estão as relações Portugal-China?
Rui D’Ávila Lourido – Assiste-se a uma intensificação das relações, consubstanciada igualmente pelo significativo número de portugueses que têm procurado várias cidades chinesas para trabalharem e fixarem os seus negócios, em especial Macau, Pequim e Xangai. Vários acordos foram assinados nas áreas da saúde, protecção recíproca de investimentos, ensino das línguas portuguesa e chinesas, moldagem, comunicações e tecnologias.
- Ainda há mais espaço para Portugal alargar os pontos de contacto?
R.A.L. – Deveremos aprofundar a reflexão e dar uma especial atenção à estratégia lusófona da China. Na sequência dos princípios orientadores da sua política interna de desenvolvimento harmonioso da sociedade chinesa e de respeito pelo meio ambiente, a China gizou uma estratégia que pretende assegurar um contínuo desenvolvimento económico. Com esta estratégia procura diminuir a pobreza, garantir o alargamento da prosperidade a sectores cada vez mais vastos da população chinesa e canalizar meios, nomeadamente, para a recuperação de água potável e do ar poluído em muitas áreas urbanas e rurais da China. Tendo subjacente os princípios gerais da diplomacia chinesa, não podemos esquecer a preocupação da China, à semelhança do que acontece com os países ocidentais, em colmatar as necessidades de matérias-primas e de fontes de energia. A China estabeleceu relações nos cinco continentes com os países produtores de matérias-primas, como hidrocarbonetos (petróleo de Angola, Brasil e Timor) ou gás natural (Moçambique) ou alimentares (do Brasil a soja) e tecnologias alternativas (como as eólicas em Portugal).
- É nesta dimensão que congrega os países lusófonos que Macau pode ter um papel importante para a China?
R.A.L. – A China compreendeu a mais-valia que representa a cidade de Macau, com as suas raízes e ligações histórico-culturais e económicas, pelo que a transformou na sua plataforma oficial, facilitadora de contactos com os países lusófonos. O Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa [Fórum Macau] constituído pelo Governo Central chinês é disso exemplo.
- Enquanto investigador e observador da realidade chinesa, quais são as grandes vantagens de Macau?
R.A.L. – Macau apresenta várias vantagens, nomeadamente, o seu sistema legal que, sendo semelhante ao português, facilita as relações económicas. Para prevenir uma taxação dupla, foram criados acordos de Macau com Portugal e Moçambique, tendo como objectivo estendê-los a todos os países de língua portuguesa. O Governo da RAEM tem tido uma grande sensibilidade na preservação do património histórico construído de raiz portuguesa, que culminou na obtenção da classificação, pela UNESCO, de Património Histórico da Humanidade. Em Macau tem sido incentivado o intercâmbio com as culturas e a língua portuguesa, nomeadamente, através do apoio à formação de formadores para o ensino da língua na China, no apoio à organização de encontros, de colóquios e de conferências internacionais e no incentivo à difusão da obra de escritores sobre Macau. Foi também em Macau que se realizou, em 2006, a primeira edição do evento multidesportivo “Jogos da Lusofonia”.
- Mas a nível da relação económica entre os países lusófonos e a China, Macau também tem hipótese de se assumir como um elemento-chave?
R.A.L. – Naturalmente que a maior parte dos negócios entre os países lusófonos e a China se têm realizado bilateralmente, mas o Fórum Macau tem aumentado as suas oportunidades. A Associação Comercial Internacional para os Mercados Lusófonos, de Macau, tem desenvolvido igualmente um diversificado número de negócios, como a exportação de medicamentos chineses para Cabo Verde, Moçambique e também Angola – onde chegam ainda vestuário, calçado e motorizadas. Por outro lado, importa madeira, algodão e caju de Moçambique, café de Timor-Leste e azeite, vinho e medicamentos de Portugal.
- No caso específico de Portugal, ainda há espaço para alargar a relação/parceria comercial e económica com Macau?
R.A.L. – Portugal e Macau podem e devem reforçar o seu papel como plataformas facilitadoras de relações culturais e de negócios entre a China e os países lusófonos. O alargamento do Canal do Panamá permitirá, em 2014, o acesso mais rápido e directo da China a Portugal. O porto oceânico de Sines será o primeiro no continente europeu que um navio vindo da Ásia, dos Estados Unidos ou do Brasil encontrará. Esta posição geoestratégica será uma grande vantagem económica e um grande desafio a ser assumido por Portugal.
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Entrevista do jornal Ponto Final a Rui Lourido (1/2)

Pode ler a publicação original aqui.

O direito à opinião e a liberdade de algumas minorias ainda preocupam, mas as autoridades do Continente têm realizado esforços para evoluir num dos temas mais delicados da agenda: os direitos humanos. O argumento é do português Rui D’Ávila Lourido, presidente do Observatório da China, que faz questão de realçar que também existem atropelos claros no Ocidente.
Pedro Galinha
- Assistimos hoje a uma inversão no discurso sobre os direitos humanos na China por parte dos líderes ocidentais?
Rui D’Ávila Lourido – A questão pressupõe que aceitemos que os actuais líderes ocidentais têm legitimidade para dar lições de moral à China. Partilho da perspectiva dos que têm dúvidas porque o próprio Ocidente – devido à acção recente destes líderes ocidentais – assiste ao retrocesso dos direitos humanos básicos, como o direito ao trabalho (e a limitação da actividade sindical em sua defesa), à alimentação e habitação condigna, bem como à saúde e à educação tendencialmente gratuitas, direitos inseridos em algumas das constituições de países europeus. Por outro lado, muitas das grandes multinacionais ocidentais que transferiram a sua produção para a China não aplicam no interior das suas fábricas chinesas os mesmos direitos cívicos e humanos que possuem os seus empregados nas delegações e sedes localizadas nos países ocidentais.
- São contradições a mais?
R.A.L. – Afigura-se legítimo pensar que os governos ocidentais quando pressionam a China para adoptar um sistema político do tipo ocidental não o fazem unicamente por consideração para com o cidadão chinês, mas também por estratégia política. Por pensarem que a democracia parlamentar poderá fragilizar a coesão política da China, propiciando a sua fragmentação regional e, dessa forma, enfraquecer a presente ascensão económica e a influência da China no mundo do século XXI. Tentam ainda prolongar o actual modelo unipolar, dominado económica e militarmente pela América do Norte, e evitar a sua substituição por um mundo multipolar, onde tenham de aceitar partilhar responsabilidades de liderança com a Ásia (com a China e a Índia), com a Rússia e com a União Europeia. Dito isto, num âmbito multilateral e de respeito mútuo, considero importante o diálogo e toda a reflecção sobre a melhor forma de aprofundamento dos direitos humanos, quer na China, quer no Ocidente. Recordemos que Dilma Rousseff, a presidente do Brasil, referiu em resposta a uma pergunta sobre direitos humanos na China que ‘todos temos problemas de direitos humanos’.
- Uns devem ser os “polícias” dos outros?
R.A.L. – Nos Estados Unidos e na Europa assiste-se a situações de marginalização e algumas vezes de agressão xenófoba, contra comunidades étnicas minoritárias. Por exemplo, na primeira semana de Agosto, em França, vimos uma comunidade de cidadãos europeus, ciganos de etnia romena e búlgara, ser expulsa pelo governo democrático de François Hollande, contra as suas próprias promessas antes de ser eleito. No âmbito do diálogo multilateral sobre direitos humanos é admissível a China ser confrontada, nomeadamente, com a frequente punição de chineses que têm opinião política divergente ou sobre a limitação do direito de certas minorias. Mas a União Europeia também deve ser questionada pela China sobre as referidas limitações de direitos humanos a cidadãos europeus.
- No seio da União Europeia, existem encontros específicos para discutir a questão dos direitos humanos na China. É a melhor opção para manter vivo este dossier?
R.A.L. – Talvez a maior compreensão da complexidade do tema tenha levado a privilegiar os espaços próprios, entretanto criados para analisar os direitos humanos. Não esqueçamos que, no contexto das relações Europa-China, o diálogo sobre direitos humanos foi lançado em 1995 e formalizado por encontros oficiais bilaterais, tendo-se reunido maioritariamente duas vezes por ano, intercalando Pequim e Bruxelas como locais de reunião. Têm-se desenvolvido seminários com especialistas em questões específicas como a pena de morte e a transposição de pactos internacionais. Adicionalmente, vários projectos de cooperação prática têm sido desenvolvidos, nomeadamente, para a formação de advogados.
- Nota desenvolvimentos em matéria de direitos humanos na China?
R.A.L. – Tem sido notável a evolução da posição conciliatória da China, revelando maior cooperação nas áreas técnicas, nomeadamente, em relatórios dos Pactos das Nações Unidas, reforma judicial, assistência legal, entre outras. A 29 de Maio, reuniu-se em Bruxelas a 31ª ronda que debateu o tema geral da punição criminal e das condições de limitações à liberdade individual. O comunicado da reunião refere que a União Europeia e a China analisaram questões como vigilância de domicílio, prisão domiciliária, condições de detenção em prisões. A China apresentou a sua preocupação em relação a questões de xenofobia e de discriminação racial existentes na Europa e a nível internacional – tendo a Europa explicado as suas políticas de combate ao racismo e xenofobia. Por sua vez, a União Europeia levantou algumas questões sobre a situação na China face às minorias étnicas – tibetanos, uigures e cristãos –, ao tratamento de refugiados da Coreia do Norte, ao respeito pela lei, à liberdade de expressão e ao respeito pela sociedade civil. A União Europeia apresentou ainda uma lista de casos individuais de limitação da liberdade, dos quais a China deu resposta a 25 (identificados na lista apresentada em 2011).
- Ao nível das Nações Unidas há também novos passos?
R.A.L. – A União Europeia e a China trocaram perspectivas de cooperação com o Concelho para os Direitos Humanos das Nações Unidas e com o Gabinete do Alto Comissário para os Direitos Humanos das Nações Unidas. Recordemos ainda que a nova postura da China, de envolvimento e empenho, levou à sua eleição para integrar o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas [órgão de apoio à Assembleia Geral].
- Podemos falar num maior envolvimento chinês nas principais organizações internacionais?
R.A.L. – Especialistas atentos, como Alastair Johnston ouLuís Cunha [entrevistado em Julho pelo PONTO FINAL], têm reconhecido que a China se tem envolvido profundamente nas organizações internacionais, assimilando os específicos mecanismos e enquadramentos teóricos e jurídicos, contribuindo para o renascimento e reforço do papel dessas organizações no quadro internacional multilateral (ONU, ASEA, etc). Neste contexto, partilho da opinião de que a plena integração e interiorização da cultura institucional associada às organizações multilaterais pela China, transforma-a paradoxalmente numa defensora desse “status quo” internacional.
- De volta à União Europeia, como podemos descrever a relação que existe actualmente com a China?
R.A.L. – As relações da Europa com China foram estabelecidas em 1975. Parece ser uma relação construtiva, que tem sido muito proveitosa para ambas as partes. A China tem privilegiado a sua parceria estratégica com a Europa, o que tem permito diversificar a respectiva interdependência de ambas para com os Estados Unidos. A China aumenta o seu investimento na Europa, relativizando o risco da sua excessiva anterior aplicação de capitais na dívida pública dos EUA; a Europa respira de alívio perante a entrada de capital fresco na sua economia e reforça a sua influência política e estratégica na Ásia.
- Em termos comerciais também é bastante proveitosa?
R.A.L. – A União Europeia continua a ser o maior parceiro comercial da China e a sua principal fonte de tecnologia. Já a China é o segundo maior parceiro mercantil da Europa, logo após os Estados Unidos. A maioria deste comércio refere-se a produtos manufacturados e industriais. Entre 2009 e 2010, as exportações europeias para a China aumentaram 38 por cento e as exportações chinesas para a Europa aumentaram 31 por cento. Em 2011, a Europa exportou para a China, só em mercadorias, 136,2 mil milhões de euros e importou 292,1 mil milhões de euros da China. Na 3ª ronda do Diálogo Estratégico de Alto Nível entre a Europa-China, em Julho deste ano, os dois actores decidiram ampliar a cooperação internacional e tratar as suas divergências de uma maneira construtiva. A China reafirmou o apoio à integração europeia e aos esforços da Europa para sair da crise e a União Europeia reafirmou o apoio ao desenvolvimento pacífico da China e ao respeito pela sua soberania e integridade territorial.
- O embargo de armas, em vigor desde a repressão dos protestos da Praça Tiananmen (1989), desestabiliza esta relação?
R.A.L. – Sim. Na sequência do reforço do envolvimento da China nas organizações multilaterais e em particular com a Europa, a China tem pedido o levantamento do embargo de armas, argumentando que a sua manutenção é discriminatória, muito intrigante e preconceituosa. Duas posições se confrontam na União Europeia: a corrente de opinião mais pragmática, segundo a qual o embargo deve ser levantado, defendida por alguns países como França, Áustria, Bélgica, República Checa, Grécia, Itália e Reino Unido; o bloco opositor que integra Parlamento Europeu, Alemanha, Dinamarca, Holanda e Suécia. Contudo, sob certas condições, os vários países concordariam em levantar o embargo e a Alta Representante da União Europeia para os Assuntos Estrangeiros e Segurança, Catherine Ashton, já defendeu que é um grande impedimento a um maior desenvolvimento da cooperação nos assuntos internacionais e de segurança.
- Como é que a China tem contornado esta questão?
R.A.L. – O embaixador da China junto da União Europeia, Song Zhe, referiu que o embargo tem como consequência um mais rápido desenvolvimento da tecnologia chinesa e a aquisição de armamento russo. Os Estados Unidos lideram a enorme pressão internacional sobre a União Europeia para manter o embargo, associados ao Japão, com vista a manter o domínio geoestratégico e militar norte-americano no plano mundial e, em especial, no Mar da China (Taiwan) e Pacífico. A corrente europeia de opinião mais pragmática argumenta que o levantamento do embargo reforçará o papel da Europa num mundo multipolar.
- Não há motivos para temer o investimento militar chinês?
R.A.L. – Os investimentos têm tido um objectivo defensivo e limitado geograficamente ao mar da China (criação de capacidade defensiva numa linha de protecção que ligaria as ilhas Aleutas, norte, ao Bornéu, sul, possivelmente só operacional por volta de 2020). Vários analistas ocidentais destacam que o investimento militar chinês continua muito longe de ser uma ameaça para o Ocidente e muito menos para o poderio militar dos Estados Unidos, que está 30 a 50 anos à frente da situação das forças militares chinesas. Há três factores principais para esta tese. Em primeiro lugar, a China tem como interesse nacional e vital a estabilidade do sistema económico mundial. A estratégia oficial chinesa não é expansionista e baseia-se expressamente nos princípios de desenvolvimento pacífico e harmonioso, e de afirmação de um mundo multipolar. Cresceu o envolvimento chinês nas várias instituições multilaterais, nomeadamente nas Nações Unidas. Nos últimos anos, a China tem sido o maior contribuinte para as missões de observação e de paz, de entre os cinco membros do Conselho de Segurança da ONU. Em segundo lugar, a China tem mantido a mesma percentagem de investimento em defesa, cerca de dois por cento do seu PIB, apesar do crescimento económico que regista. Já os EUA, quase sem crescimento económico, investem mais do dobro dos chineses (4,7 por cento). Em terceiro lugar, as forças militares chinesas actuais não têm real experiência de combate.
 
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Introdução de Enquadramente Histórico à Entrevista de Rui Lourido

Na resposta às questões colocadas pelo Jornal Ponto Final, de Macau, o presidente do Observatório da China fez uma introdução histórica para enquadramento da temática  dos direitos humanos na China. Não tendo esta introdução sido publicada, mas por considerar-se relevante para a percepção da evolução do exercício dos direitos humanos  na actualidade, apresentamos de seguida a referida introdução:

"Tenho todo o prazer em responder, a título pessoal, visto o Observatório da China ser uma associação de académicos e pessoas interessadas nos estudos multidisciplinares sobre a China e no conhecimento da civilização chinesa que podem ter, individualmente, diferentes perceções. No discurso político é usual utilizar-se o tema dos direitos humanos, como arma de arremesso politico contra a China, esquecendo o quadro geral e o tempo longo no desenvolvimento histórico das relações entre o Ocidente e a China. Não sou advogado dos líderes chineses, contudo, numa perspetiva histórica das relações entre a Europa e China, e para sermos sérios e justos na análise deste tema, necessitamos enquadra-lo no contexto das relações entre os países ocidentais e a China. Pelas suas consequências nefastas para os países asiáticos, e para a China em especial, destacam-se as responsabilidades dos países ocidentais na promoção das guerras dos séculos XIX e início do XX, nas invasões e humilhações impostas à China, tendo como objectivo principal o desenvolvimento da economia dos países ocidentais (logo das suas elites) à custa da economia chinesa e indiana. O sistema de comércio marítimo de longo curso com a China baseou-se genericamente, até à Guerra do ópio, fundamentalmente, na importação pelos países ocidentais, de sofisticados produtos manufaturados, com grande valor incorporado (sedas, porcelanas, chá, entre outros), sendo comprados em troca de ouro ou prata. Apesar dos exorbitantes lucros propiciados pelo comércio com o Oriente e com a China em particular, daqui resultava um défice na balança de pagamentos para os países ocidentais. O historiador português Vitorino Magalhães Godinho refere que, a China foi o maior sorvedoiro de prata da Idade Moderna. O economista germânico-americano André Gunder Frank defendeu, que a economia do mundo até à Guerra do ópio teria sido globalmente impulsionada pela economia chinesa, logo seguida da indiana e como exemplo diria que, se se pudesse comparar a um comboio, o seu motor teria sido a economia chinesa.

Os líderes dos países ocidentais só conseguiram inverter a autossuficiência deste sistema mercantil chinês autocentrado, e desequilibrar a balança de pagamentos a seu favor, pela imposição, através das guerras, do comércio ilegal do ópio como moeda de pagamento para a importação ocidental dos preciosos produtos chineses. Em consequência, da vitória militar, os países ocidentais impuseram um controlo sobre a economia chinesa e a drenagem das suas riquezas para o Ocidente, agravando e acelerando as fragilidades inerentes à sociedade chinesa, e determinando a sua rápida desagregação e decadência político, económica e social. Todo este contexto, conduziu à multiplicação das inevitáveis vagas de fomes e de drenagem de mão-de-obra servil chinesa (naquela época, chamado de comércio de cules, realizado com a complacência das autoridades imperiais chinesas, principalmente para colónias europeias e para o continente americano). Guerras e comércio desigual impostos pelo Ocidente à China, contribuíram determinantemente para o desenvolvimento das economias e riqueza das elites ocidentais, mas impuseram direta e indiretamente um severo agravamento das condições de vida da população chinesa, sem qualquer respeito pelos direitos humanos.
Ainda do ponto de vista histórico gostaria de referir um contributo, pouco conhecido, da civilização chinesa para a perceção europeia do que viriam a ser os direitos individuais, na sociedade da Idade Moderna europeia – o mérito pessoal, baseado no conhecimento e competência, aferido em exames públicos em todo o império chinês. Ao contrário do que aconteceu na europa, geralmente até ao dealbar do século XIX/XX, na china todos os candidatos a um cargo da administração do império, independentemente da sua origem social, tinham de fazer um exame para poderem ser nomeados. O facto de na China os letrados estarem no comando da estrutura administrativa do império, a respetiva ascensão social,juntamente com um sistema de aplicação da justiça orientada por legislação civil, aplicada com maior critério universal que no ocidente, que se distanciava muito lentamente da sociedade de antigo regime, foram alvo do elogio de muitos dos viajantes portugueses e europeus da idade moderna, vindo a influenciar o pensamento dos iluministas franceses, como Voltaire ou Montesquieu.

Foi com os governos da República Popular da China, que a herança da situação de exploração de recursos naturais e humanos da China, pelas potências ocidentais, seria invertida e começaria um processo de aquisição de direitos civis e humanos. Foram proibidas tradições discriminatórias, como a deformação artificial dos pés das mulheres abastadas. Decorrente do processo de extraordinário desenvolvimento económico, assiste-se à ampliação de um maior número de direitos cívicos. Do acesso a melhores condições de vida: da ultrapassagem das piores situações de carência alimentar (e 300 milhões de chineses conseguiram a sua ascensão à classe média), maior acesso a serviços de saúde, à educação e a bens culturais. Por outro lado, inicia-se igualmente um processo de ampliação da consciência da importância de conciliar os interesses públicos e da administração central, com os direitos individuais, humanos e cívicos.
Neste contexto partilho da conceção, de que é aos cidadãos chineses e suas autoridades que compete decidir sobre a forma de ampliar os direitos humanos na China. Apesar de vivermos num mundo cada vez mais globalizado e algumas influências exógenas se fazerem sentir positivamente nos nossos países, penso que a defesa efetiva dos direitos humanos é um processo endógeno a cada sociedade, que depende da consciência cívica e da correlação de poder das organizações da sociedade civil, bem como do processo de desenvolvimento económico e social."
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EDP financiada pelo China Development Bank

O Banco de Desenvolvimento Chinês emprestou à empresa portuguesa recentemente privatizada a quantia de mil milhões de euros, segundo o Diário de Notícias.
Pode ler a notícia completa aqui.
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