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Declaração do Observatório da China: É inaceitável a ameaça dos EUA contra Portugal.

O Observatório da China considera lamentável a ameaça do Embaixador dos EUA a Portugal segundo a qual o nosso país terá de escolher entre os EUA e a China. Tentar impor a exclusão da China da escolha dos parceiros económicos de Portugal é uma ingerência inaceitável. Mais inadmissível ainda que seja um nosso aliado, que aberta e publicamente, a fazer-nos ultimatos. Todos recordamos um outro aliado e uma outra ingerência (de má memória) – o Reino Unido e o seu ultimato de 1890 (para Portugal aceitar as pretensões de ocupação inglesa em África), que ao ser aceite pelo governo português viria a ser uma vergonha nacional e uma das causas remotas da queda da monarquia.

Este diplomata revela desprezo pela História do relacionamento de Portugal com a China, que já dura há mais de cinco séculos. Portugal é o único país ocidental e europeu com tão longo relacionamento contínuo e pacífico com a China. Com aprofundamento recente, aquando da visita de Estado do Presidente português à China, em abril de 2019, os dois países formalizaram um novo patamar nas relações bilaterais. Marcelo Rebelo de Sousa, obteve um “estreitamento das relações políticas” entre Portugal e a China, com a passagem da “Parceria Estratégica” (assinada em 2005; na altura só existiam 5 países europeus a quem a China concedia este estatuto) para um “diálogo constante”, através da assinatura de um “Memorando de Entendimento”, no Grande Palácio do Povo, em Pequim. O chefe de Estado referiu que Portugal passava assim a ter com a China “um relacionamento político ao nível de países como a França, o Reino Unido, ou os Estados Unidos da América”. Por sua vez, o Presidente da República Popular da China, Xi Jinping, declarou pretender “estreitar ainda mais” o relacionamento luso-chinês, bem como fortalecer esse relacionamento “no quadro da cooperação da China com a União Europeia e entre a China e os países de língua portuguesa”.

Reafirmando a aliança de Portugal com os EUA e a União Europeia, as autoridades portuguesas têm trilhado um caminho caraterizado por uma certa neutralidade, de forma a proteger os interesses nacionais quer públicos quer privados. Muitas empresas fizeram grandes investimentos em tecnologia de origem chinesa no 4G e preparam-se para o 5G, sendo a China o país mais avançado nesta tecnologia e praticando os preços mais concorrenciais. O mesmo se passa em muitos outros setores, com o registo de um maior número de patentes, designadamente nas energias renováveis e na luta contra as alterações climáticas.

A China tem-se destacado igualmente na luta pelo aprofundamento da globalização, na defesa do multilateralismo e na resolução de conflitos internacionais, através do diálogo e do reforço das Organizações internacionais (ONU, OMS, UNESCO…). Tem-se destacado, também, na luta pela educação, com 99% das crianças em idade escolar a frequentar a escola, com o maior número de artigos científicos produzidos em revistas científicas reconhecidas pela comunidade científica internacional, e com um registo de patentes que iguala os EUA. A China tem-se evidenciado ainda na luta contra a pobreza (o único país no mundo a conseguir retirar mais de 800 milhões de pessoas do limiar da pobreza em 40 anos, o que contribuiu para reduzir em 70% a pobreza a nível mundial). Com a crise económica desencadeada nos EUA, em 2007 e 2008 (“subprime mortgages”, hipotecas de alto risco), e que afetou posteriormente toda a Europa e o mundo, muitos países Europeus compreenderam que, para impedir a recessão das respetivas economias, não podiam depender exclusivamente da economia dos EUA e deveriam procurar outros mercados (o valor do comércio da Europa com a China já ultrapassou, em 2019, o valor do comércio dos EUA com a Europa). Com a crise do COVID19, a Europa compreendeu que tinha sido excessiva a deslocalização da sua produção para a Ásia, tornando-se muito dependente, em certos produtos, de países como a China. Face a esta realidade é legítimo que os cidadãos portugueses e europeus exijam dos seus governos a capacidade de controlar os setores estratégicos nacionais e colocá-los ao serviço de todos os seus cidadãos.

A ameaça do Embaixador do EUA, deve ser enquadrada no âmbito da guerra comercial que os EUA iniciaram contra a China. Na sua postura demasiado agressiva, isolacionista e egoísta, os EUA impuseram medidas arbitrárias contra a liberdade de comércio e contra concorrentes, sejam eles da China ou da Europa, nomeadamente taxas alfandegárias e punições a empresas americanas e estrangeiras que negoceiem com países ou empresas que os EUA consideram concorrentes e “malignos”. Em setembro, a Organização Mundial do comércio condenou como ilegais as taxas impostas arbitrariamente pelos EUA. Mas se o problema é o investimento chinês em Portugal, é uma pena que os EUA tenham desinvestido no tempo da troika quando mais era necessário (abandonaram a Base das Lages nos Açores). Os EUA não querem concorrer em igualdade de circunstâncias como todos os outros parceiros, mas em situação de vantagem ilegítima nos concursos internacionais para adjudicação de obras públicas em Portugal.

Subsiste a dúvida de o Departamento Americano do Tesouro ter vindo interferir no desenho dos futuros concursos internacionais portugueses, de forma a privilegiar as empresas americanas. Pois nesta entrevista do Embaixador dos EUA ao Expresso (26-09-2020), reconhece que a interferência chega ao ponto de, alterar as regras de forma a prejudicar e excluir empresas concorrentes das americanas, nomeadamente as chinesas: “trabalhámos com os portugueses para olhar para investimentos estrangeiros e o Departamento do Tesouro a trabalhar aqui com os reguladores e com os comités de regulação europeia, para criar guidelines. Acho que agora são mais duros com a China”. Neste contexto se inserem igualmente as ingerências dos EUA nas empresas europeias ou de outras nacionalidades que têm relações com estados e empresas consideradas “malignas”. A China Three Gorges, maior acionista da EDP, e a China Communications Construction Company, o novo acionista da Mota-Engil, estão na longa lista negra do Departamento de Defesa Norte-americano (DOD, de 28 de agosto e pode ser consultada na respetiva plataforma) e são inapropriadamente qualificadas como sendo "companhias militares comunistas chinesas".

Quanto ao investimento chinês, como todos os restantes, também não é inocente, nem meramente benemérito, mas assume-se claramente como um negócio, que deve ser de mútuo interesse, no respeito pelas regras internacionais e na autonomia de negociação das partes. O modelo de ação da China no estrangeiro, tradicionalmente e vem sendo confirmado na atualidade, não pretende impor, reproduzir ou convencer os outros povos a imitarem o sistema de organização política (têm relações diplomáticas e económicas com todos os tipos de governo) ou religiosa chinesa. O Estado Chinês afirma a sua obediência aos princípios da Carta da Organização das Nações Unidas. Os chineses acreditam em Portugal e quiseram demonstrar que a Parceria Estratégica com Portugal estava viva, e foram os únicos (durante a grave Crise da Troica) a investir, onde e na forma desenhada e aceite pelo Governo Português. É ao estado Português que se devem pedir responsabilidades pela venda de setores estratégicos nacionais e essa discussão é independente da nacionalidade do investidor. Quais os setores estratégicos que devem ou não, ser competência do estado, de forma a preservar o serviço público que essas empresas fornecem. Em paralelo, a população portuguesa tem assistido estupefacta à atividade de rapina do fundo abutre dos EUA (Lone Star) no "Novo" Banco, sem que seja criticado pelo Embaixador dos EUA, quando se lhe refere na sua mencionada entrevista.

Por outro lado, se a preocupação dos EUA é a segurança no 5G, eles ainda não foram capazes de apresentar provas de comportamento incorreto da Huawei. Até agora têm sido algumas empresas tecnológicas dos EUA (a Google, a Facebook ,entre outras, a enviar os dados dos clientes, como norma, para o Departamento de Defesa dos EUA) e algumas das agências federais dos EUA que, indevidamente, se especializaram a espiar sistematicamente as conversas telefónicas privadas, não só da população em geral (selecionadas por algoritmos especiais), mas inclusivamente dos líderes mundiais, como das autoridades alemãs (Merkel), Francesas (Macron) entre muitas outras. Os EUA exercem de forma sistemática espionagem económica (para as empresas dos EUA ganharem vantagem em concursos internacionais, nomeadamente europeus). Por outro lado, temos a questão da mentira como precedente de intoxicação da opinião pública como forma de obter vantagem indevida na ação do governo dos EUA, como se passa atualmente com o COVID19, ou quando mentiu a toda a comunidade internacional sobre a existência de armas nucleares no Iraque, para provocar a guerra, a invasão, e a destruição das estruturas do estado iraquiano para facilitar a ocupação do exército e implantação das empresas americanas e controle do petróleo iraquiano.

Pensamos que o concurso para o arrendamento do novo terminal de Sines a ser construído, deverá ser desenhado nos moldes europeus mais exigentes e transparentes, que dê garantias para uma gestão eficiente. O desenvolvimento do grande terminal oceânico (Vasco da Gama) será estratégico para Portugal, e desejamos que seja ganho pela melhor candidatura. Seria conveniente que a empresa vitoriosa deste concurso em Sines, tenha condições para que possa fazer a ligação entre a Península Ibérica, as Europas, as Américas, as Áfricas com as Ásias, em especial a promissora Nova Rota da Seda. Aqui se coloca a urgente ligação à rede ferroviária transeuropeia. Este terminal será importantíssimo para Portugal conquistar uma nova centralidade no comércio internacional, como não temos de há muitos séculos.

Diversificar a origem dos investimentos em Portugal é fundamental, ainda mais na atual crise que mais afeta a Europa e os EUA, pois se entrarem em recessão, deveremos poder apoiar-nos nas relações económicas com países do Oriente. A China já começou a recuperar economicamente e será um dos principais motores do desenvolvimento da economia mundial e o que mais contribuirá para que o PIB per capita mundial não estagne.

Rui Lourido

Presidente da Direção do OC.

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