A pergunta é simples ("Você acha que devo comprar um Ferrari?") e a resposta também ("Eu acho que deve comprar o Ferrari"). Parece o diálogo de um anúncio publicitário, mas não é.
Concebidas para exemplificar o uso do verbo "dever", as duas frases são soletradas em coro pelos técnicos de uma grande construtora estatal chinesa que frequentam um curso intensivo de português na Universidade de Estudos Estrangeiros de Pequim (Beiwai).
O curso, de um ano, começou há três meses e no final, todos seguirão para "Anguêlá" (Angola, em chinês). As propinas, no valor de 10.000 yuan (1.200 euros), são pagas pela China Railway Construction Corporation (CRCC), consórcio que em 2013 ocupava o 100.º lugar da lista das "500 maiores empresas do mundo" compilada pela revista Fortune.
"Eu devo/tu deves/ele deve/nós devemos" - em chinês só varia a pessoa; o resto, que corresponde ao infinitivo do verbo, é igual: "Wo yinggai/ ni yinggai/ ta yinggai/women yinggai".
"É muito difícil, mais difícil do que o inglês", diz Zhao Weiguo, um dos 25 alunos.
Segundo o governo angolano, em 2012, havia cerca de 260.000 chineses a trabalhar no país. Os salários são atraentes e como as empresas também pagam a alimentação, o alojamento e as viagens de férias (duas ou três vezes por ano), a poupança equivale a quase 100% do vencimento.
Um intérprete em início de carreira, com menos de 25 anos de idade, chega a ganhar, e a poupar, 20.000 yuan (2.400 euros) por mês - mais de o triplo do salário médio em Pequim.
Zhou Lifei, um engenheiro de 26 anos que já trabalhou em Angola e que deverá voltar lá em 2015, não adiantou o que conseguiu poupar, mas contou que, entretanto, comprou um jipe e em julho vai comprar a sua primeira casa, numa província do norte da China.
Noutro exercício de conversação, há frases com um espaço em branco que os alunos têm de preencher com as palavras que o professor vai escrevendo com giz no quadro: "acampamento", "maravilhoso", "preocupado", "montanha", "piquenique"?
Todas as palavras são pronunciadas devagar, duas e três vezes.
"Não é esta a minha profissão, mas faço o melhor que posso", diz o professor, Zheng Zhe. "O problema maior é a falta de ambiente: depois de saírem da aula, os alunos deixam de falar português".
Filho de emigrantes da província chinesa de Zhejiang, nascido e criado no Porto, há 26 anos, Zheng Zhe - ou Alexandre, o nome que adotou em Portugal - fala fluentemente as duas línguas: "Nunca pensei vir ensinar português na China. É fantástico!", exclamou.
Zheng Zhe é formado em gestão e está em Pequim, pela primeira vez, fazendo um mestrado em Relações Internacionais na famosa universidade Qinghua.
Ao mesmo tempo, dá aulas na Beiwai e na Beijing Language and Culture University (BLCU), que também ministra concursos intensivos de português.
"A procura (por cursos de português) é grande", constatou Zheng Zhe.
O fenómeno coincide com o rápido desenvolvimento das relações económicas entre a China e os países de língua portuguesa, sobretudo Brasil e Angola.
Segunda economia mundial, a China já é também o maior parceiro comercial do Brasil, à frente dos Estados Unidos da América, e o principal cliente do petróleo angolano.
Até há uma década, apenas três universidades do continente chinês tinham licenciaturas em português: a Beiwai, a Universidade de Estudos Estrangeiros de Xangai e a Universidade de Comunicações, em Pequim. Hoje há dezoito, espalhadas por uma dezena de cidades.
Um diploma em português não chegará para comprar um Ferrari, mas significa emprego garantido e, por vezes, muito bem pago.